sexta-feira, 3 de novembro de 2017

DOCUMENTÁRIO: EX-VICIADO EM HABBO HOTEL




Isso aconteceu com um amigo meu. Na verdade hoje não sei dizer se fomos apenas conhecidos ou mais que isso. Ele veio morar na nossa república durante cerca de 6 meses, e depois precisou ir embora.

Se você estiver lendo isso, me desculpe divulgar a história, mas acho que ela deve servir de exemplo para que mais pessoas não passem pelas dificuldades que você passou. Você me ensinou muito, e me abriu os olhos para a gravidade deste vício, que ninguem leva a sério. Caso você peça, eu retiro toda e qualquer referência ao acontecido.

Ele entrou na nossa casa como um recém recuperado de um vício pesado em jogos. Ele não poderia ter entrado em um lugar pior. Acho que se algum de nós tivéssemos a menor noção do perigo, não teríamos deixado ele se juntar á nossa casa, apelidada "carinhosamente" por nós como o buraco-negro do jogo.

O grande detonador da vida dele foi o Civilization. Ele, na sua outra república, chegou a passar 5 dias trancado no quarto, saindo só para comer, apenas jogando este jogo, sem parar. 

Os pais, cientes do que estava acontecendo, em uma viagem à casa dos avós, deixaram ele em casa, e queriam fazê-lo passar um fim de semana pelo menos sem jogar. Assim, deixaram ele sem dinheiro, apenas com a geladeira cheia. Desativaram a conexão com a internet, desinstalaram todos os jogos do computador, alem de tirar absolutamente qualquer CD de instalação da casa, levando tudo embora. Qualquer semelhança com o tratamento de impacto com viciados em drogas NÃO é mera coincidência.

No momento em que os pais deixaram a casa, ele começou a se sentir inquieto. Como conseguir um Civilization pra jogar, como jogar. Ele precisava, fisicamente, do jogo. Em um momento de rara sorte (ou azar), ele se lembrou do número de conexão de uma internet discada gratuita, se conectou pela linha discada, fez o download do jogo (300 Mb em linha discada demora muuuuito tempo pra baixar) e o instalou. Quando os pais chegaram no final do fim de semana, ele estava tranquilo, com o computador desligado, sem nenhum traço de que tinha passado TODAS as horas do fim de semana jogando, sem sair de frente da tela do computador.

Pouco tempo depois os pais tiveram a idéia questionável de mandá-lo à um médico, que receitou alguns remédios um pouco pesados contra depressão, para curá-lo de algo que não é depressão. O viciado em jogos não se sente deprimido, pois 100% do tempo que está jogando ele se sente mais vivo do que jamais esteve, e ele passa a maior parte do tempo que está acordado jogando, ou seja, VIVO, e não deprimido.

Os remédios funcionaram por um tempo. Num acesso de fúria contra os jogos, ele juntou todos os CDs de jogo que tinha em um saco de lixo de 100 Lt, levou a um terreno baldio e detonou cada um deles com um pedaço de madeira. Estava com raiva do que os jogos tinham feito com a vida dele. Pouco mais de uma semana depois ele já tinha recuperado os CDs dos jogos preferidos. R$ 5,00 num camelô para alimentar o vício não é nada.

Na época em que ele entrou na nossa república isso tudo era passado. Ainda sob medicação, ele se mantia a uma distância saudável dos jogos. Quando nos via jogando por horas seguida fazia questão de ficar longe do quarto.

Por algum motivo, nesta época os remédios acabaram trazendo efeitos colaterais por causa de uma super-dosagem. Ele começou a ficar hiper-ativo, falando sobre tudo sem parar. Numa segunda-feira, após ter saído para passar o fim de semana com os pais, ele não voltou para a república. Como isso era comum, já que ninguem controla ninguem numa vida em república, ninguem deu muita atenção. 

Na quarta-feira ele apareceu em casa, meio sujo, com o olhar meio perdido, e falando muito, sem parar. Ele tinha saído no domingo da casa dos pais e chegado na nossa república apenas na quarta-feira. Aparentemente tinha falado com alguem no meio do caminho, no ônibus, que acabou colocando idéias religiosas fanáticas na cabeça dele, que já estava afetada pela superdosagem. Ele passou tanto tempo falando que a garganta começou a ficar ferida, provavelmente por desidratação.

Bom, evitando os detalhes piores da história dele nestes últimos dias que morou conosco e resumindo: os pais o convenceram a voltar a morar em são paulo naquele mesmo fim de semana, e eu ouvi falar dele mais umas duas ou três vezes, sempre dizendo que estava em recuperação. Ou seja, o vício no jogo acabou sendo tratado como depressão, com remédios, trazendo ainda mais problemas pra ele, espero que não permanentes.

De novo, se você estiver lendo isso e estiver recuperado: parabéns. E se você estiver em recuperação, eu dou meu total apoio. Passei, e talvez ainda passe por tudo o que você passou, e estou lutando para quem sabe de uma vez por todas acabar com isso de vez.

Acho que as pessoas precisam realmente se conscientizar do fato de que é POSSÍVEL E REAL o vício em jogos de computador. Não quer dizer que os jogos devem ser banidos, que uma tarja azul deve ser adicionada a todos os jogos. Apenas que todos devem se conscientizar, principalmente os pais, de que isso existe, e é possível que seu filho adolescente esteja passando por algo igual.

Demorou bastante tempo para as bebidas serem levadas a sério, os cigarros também. Os dois levam a vício químico, que é muito mais fácil de se identificar, mas o vício em jogos de azar existe, e todos levam a sério, assim como chegará o dia em que todos saberão que existe o vício em jogos de entretenimento, e que ele pode sim destruir uma vida, ou apenas uma parte dela. No meu caso, cinco anos.  


Fonte:  http://vicioemjogos.blogspot.com.br/2006/06/uma-histria-triste.html